sábado, setembro 12, 2009

A mudança

O passado guardado em caixas: vida nova, tudo novo. Era exatamente assim que João encarava seus novos dias. Encaixotava caixa por caixa guardando uma vida que não era a vida dele. Passara dois anos naquele lugar dividindo o espaço com um velho tio doente que se fora, e agora ele estava só. Todos aqueles pertences não faziam o menor sentido. João começou a organizar a mudança: cada caixa trazia junto um pensamento que ele empacotava e empilhava num canto da sala. A medida que o tempo passava não só os cômodos ficavam mais livres com o espaço, mas ele cansado, também se aliviava de algumas mazelas e incertezas. Sozinho dentro daquele apartamento de três quartos, sentado no chão e sem conforto algum, imaginava uma vida melhor a partir daquele ponto: a mudança da mente. Às vezes é preciso mudar de lugar para mudar a ordem do que vem por dentro do pensamento. Esteve sozinho muito tempo. Imaginou tantas coisas boas e ruins e agora...João. Apenas o João na sala, no quarto, na cozinha, no banheiro, na vida. Em um descuido de principiante, João esqueceu de separar suas próprias lembranças que gostaria - no fundo, no fundo - de preservar. Encaixotou junto com os outros pacotes (sorrindo) suas crenças e amores. Ele começou de novo. Vida nova!

(Adriana Schimit in Contos para Ninguém)