quinta-feira, agosto 20, 2009

O filme

Ela queria ser um filme. Sempre quis. Julgava a sua trajetória uma boa história para ser contada: era alegre do tipo festeira, sensual, espontânea. Costumava fechar os olhos para imaginar uma grandiosa cena registrada em uma tarde comum. No ato, ela sairia com um vestido longo (estampado e esvoaçante), completamente louca, às pressas pela rua com os cabelos castanhos ao vento ora close e pessoas ora close e prédios ora vasos de flores e close ora a velhinha na esquina e o close. Como era bela a menina! Seu sorriso iluminava a tarde. E o olhar? Era encantador...parava o tempo à medida que olhava os transeuntes. Embora festiva, ela sentia a vida curta no peito. Imaginava lugares, falas, situações. Ficava enrubecida com as passagens que criava: eram tão reais! Mas ela pensava tanto, mas tanto, que não saia do lugar. E agarrava com unhas e dentes o seu pouco como se no minuto seguinte tudo estivesse fadado a virar pó. Não era difícil perceber que a menina estava entre pessoas sem histórias - ou histórias que não importavam para ela. Ser um filme, pensava, seria a única possibilidade de recriar novas esperanças para ser (de novo e quantas vezes quisesse) ela mesma - ou uma outra pessoa qualquer. Criara um mito. E dia após dia alimentava o monstro com cenas de tensão e prazer.

(Adriana Schimit in Contos para Ninguém)

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