sábado, dezembro 19, 2009

Desconhecidos

"Perguntou se eu queria ouvir música. Não, eu disse sem pensar. Então ele calou como se tivesse ficado ofendido por eu recusar alguma coisa sua. Desconhecidos: como isso é, a um só tempo, terrivelmente bom e terrivelmente assustador."
(Caio Fernando Abreu)




Era isso. Ou mais ou menos isso. Ursula estava cansada de não ter ninguém. Mas quem poderia saber da urgência dela? A urgência é sempre de quem carrega ou precisa da ajuda e nunca do outro. Calou-se. Era o silêncio que tanto procurava. Precisava ficar com ela mesma, mas não queria. Era muita vontade para uma pessoa só: vontade de ser ela, de ter ele pra ela - ele tinha uma esposa. Ursula nunca pensou em estar do seu lado da história. Também nunca pensou em ter uma história como essa para contar. Mas e daí? Era isso mesmo. Essa era a verdade - dessas que a gente não sabe o que fazer quando descobre. Dessas que a gente finge até que ela não existe - existindo. Mas fingir a 'não existência' seria a solução por um tempo. Tempo esse que ela não saberia dizer se seria ou não o suficiente para se organizar - por dentro. Ursula queria o cara. E queria muito. Sonhava com isso, era uma ideia fixa. Bom sexo, bom papo, bom tudo. Era ele o cara! Mas o cara era casado. Bem, ela não o conheceu assim. Antes, ele era apenas um professor de um cursinho preparatório, solteiro e gentil. Até que depois de um envolvimento de quase oito meses, a verdade veio à tona: e a palavra noivo foi dita pela primeira vez. Naquele momento, as ideias de Ursula deram um nó. E a memória dela foi buscar como num filme bom de Hollywood uma copilação dos 'melhores momentos' do casal: lembrou de ter passado as principais datas do ano ao lado dele - e até o aniversário dela, pasmem! Ela só queria estar em um lugar seguro. O sujeito chegou a ser apresentado à família de Ursula e Ursula à mãe dele (o rapaz ainda morava com a mãe na ocasião). Agora casado e aparentemente feliz, ele parece escrever uma nova história em que Ursula ainda fazer parte: ela sobrevive de encontros furtivos entre o moçoilo e sua (amada) esposa - que talvez saiba de Ursula o suficiente para deixa-la por perto, enquanto for conviniente para o casal. Esta confusa história celebra o seu dia a dia com novos capítulos, misturando nobreza, carinho, humanidade, mesquinhez nesta terra sem dono, sem trono, sem julgamentos.

Vale quanto pesa (?).