domingo, maio 03, 2009

Discours amoureux

"Implica um gozo imediato: é um fantasma de discurso, uma abertura de desejo. Sob a forma de pensamento-frase, o germe do fragmento nos vem em qualquer lugar: no café, no trem, falando com um amigo (surge naturalmente daquilo que lê diz ou daquilo que digo); a gente tira então o caderninho de apontamentos, não para anotar um “pensamento”, mas algo como o cunho, o que se chamaria outrora um “verso”. [...] o fragmento (o hai-kai, a máxima, o pensamento, o pedaço de diário) é finalmente um gênero retórico, e como a retórica é aquela camada da linguagem que melhor se oferece à interpretação, acreditando dispersar-me, não faço mais do que voltar comportadamente ao leito do imaginário."

"A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem contra o outro. É como se eu tivesse ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras. Minha linguagem treme de desejo. A emoção de um duplo contacto: de um lado, toda uma atividade do discurso vem, discretamente, indiretamente, colocar em evidência um significado único que ‘é eu te desejo’, e liberá-lo, alimentá-lo, ramificá-lo, fazê-lo explodir (a linguagem tem prazer de se tocar a si própria); por outro lado, envolvo o outro nas minhas palavras, acaricio-o, toco-lhe, mantenho este contato, esgoto-me ao fazer o comentário ao qual submeto a relação."

...

1. "Quando se falava com ele, discursando para ele sobre qualquer que fosse o assunto, X parecia frequentemente olhar e escutar ao longe, espiando alguma coisa nas redondezas: parava-se desencorajado; no fim de um longo silêncio, X dizia: 'Continua, eu estou escutando'; então se retomava meio sem jeito o fio de uma história na qual já não se acreditava mais."

(O espaço afetivo, como uma péssima sala de concerto, comporta recantos mortos, onde o som não circula. - O interlocutor perfeito, o amigo, não será aquele que constrói ao redor de você a maior ressonância possível? A amizade não poderia ser definida como um espaço de uma sonoridade total?)

2. Essa escuta fugidia, que só posso capturar depois de algum tempo, me envolve num pensamento sórdido: empenhado com ardor em seduzir, em distrair, eu acreditava exibir, ao falar, tesouros de engenhosidade, mas esses tesouros são apreciados com indiferença; gasto minhas qualidades à toa; toda uma excitação de afetos, de doutrinas, de saber, de delicadeza, todo o esplendor do meu eu vem se enfraquecer, se amortecer num espaço inerte, como se - pensamento culpado - minha qualidade excedesse a do objeto amado, como se eu estivesse mais adiantado do que ele. Ora, a relação afetiva é uma máquina exata; a coincidência, a justiça, no sentido musical, são fundamentais; o que não está no mesmo nível é imediatamente demais: minha fala não é propriamente um detrito mas um "não vendido"; aquilo que não se consome no momento (no movimento) e é destruído.

(Da escuta distante nasce uma angústia de decisão: devo continuar, pregar "no deserto"? Seria preciso uma segurança que a sensibilidade amorosa precisamente não permite. Devo parar, desistir? Seria parecer me vexar, colocar o outro em questão, e daí começar uma "cena". Mais uma vez a armadilha.)

3. "A morte é sobretudo isso: tudo que foi visto, terá sido visto para nada. É o luto daquilo que percebemos." Nesses breves momentos em que falo à toa, é como se eu morresse. Porque o ser amado se torna um personagem de chumbo, uma figura de sonho que não fala, e o mutismo, em sonho, é a morte. Ou ainda: a Mãe gratificante me mostra o Espelho, a Imagem, e me fala: "É você". Mas a Mãe muda não me diz o que sou: não tenho mais base, flutuo dolorosamente, sem existência.

(BARTHES, Roland. Fragments d’um discours amoureux. Paris. Seuil, 1977).