quinta-feira, maio 14, 2009

Santiago - o filme que não acabou

A eterna relação entre patrão e empregado
Uma voz feminina, amiga do cineasta João Moreira Salles, conduz boa parte da entrevista de Santiago, o mordomo da família Moreira Salles. A mulher, de voz ativa - que às vezes beira a hostilidade - corta o entrevistado em vários momentos e pede para que ele repita cenas e gestos espontâneos. Desta forma, ela - a entrevistadora - estampa a superficialidade em todas as tentativas seguintes. Ele não era um ator. Santiago sinalizou o tempo todo ganchos de pensamentos que julgava importantes, mas não recebeu resposta. Naquele momento, a sua essência estava incompreensível às pessoas que tentavam captar um pouco da sua estória. Ao longo do documentário pude notar, também, uma postura arredia, distante e subserviente do 'personagem' Santiago, talvez por estar sujeito à mesma postura com a qual conviveu a vida inteira, que foi a de ser comandado, direcionado todo o tempo. Mais abaixo transcrevo as palavras do próprio João que compreendeu que as informações que ele conseguiu juntar naquele determinado período não poderiam ser manipuladas e que, na verdade, era impossível para ele recriar um personagem de infância. Aliás, a essência de qualquer documentário é a esperança da falta de tendencionalidade, enfim. O cineasta considera este filme, Santiago, o único da sua carreira que ele não conseguiu terminar.

- Nas entrevistas, não queria ouvir o que Santiago tinha a me dizer. Queria que ele dissesse o que eu queria ouvir, que ele se parecesse com o Santiago da minha infância, com o meu Santiago. Daí as ordens, os planos repetidos. Essa relação de patrão e empregado é também uma alegoria do que acontece em todo filme, entre o documentarista e o seu objeto. É preciso ter consciência disso, mesmo quando se filma o presidente, a palavra final sempre será de quem está com a câmera na mão.


A comunicação em outros signos
Amei a cena da dança em A Roda da Fortuna (filme preferido de Santiago), em que Fred Astaire e Cyd Charisse - dois bailarinos com formações diferentes - são convidados a estrear na mesma peça e não se dão bem logo de cara. Em uma festa, mesmo sem jeito, Astaire convida Charisse para um passeio no jardim. O curioso é que durante o percurso, os dois não se falam e também não se olham. No meio desse passeio, uma coisa espontânea e linda acontece: a conversa entre eles se faz por meio de uma dança. São outros signos, mas que os personagens dominam completamente. Lindo! Esse documentário carrega uma sutileza no que pretende dizer que sinceramente não acho que seja um filme para as grandes salas. Talvez apenas para festivais ou coisa assim...

"Friends applaud, the comedy is over."

Ludwig van Beethoven