quarta-feira, junho 25, 2008

Porque é evidente

Foto: Adriana Schimit
"É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir.

Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias.

O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido.

Ninguém merece tal milagre.

Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me.

O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta.

A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou.

Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo.

Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios.

O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore.

Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados.

Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo".


Jorge Luis Borges nasceu em 1899 na cidade de Buenos Aires, capital da Argentina e faleceu em Genebra, no ano de 1986. É considerado o maior poeta argentino de todos os tempos e é, sem dúvida, um dos mais importantes escritores da literatura mundial.

Fonte: http://www.releituras.com/jlborges_menu.asp